Por Ariane Guebel de Alencar
Na grande sala, ricamente decorada com madeiras da mata nativa – destruída- e pedras finíssimas, oriundas da mineração das grandes montanhas do país – destruídas – os convivas aguardam, ansiosos, o discurso do grande democrata, o Presidente Supremo em seu 12º mandato consecutivo. Coquetéis apetitosos – feitos com a mais tenra carne de bezerros abatidos bebês de tristes vacas criadas presas alimentadas pelos vastos campos maravilhosos de soja graças a benevolência da classe agro empreendedora que alimenta o desenvolvimento do país trocando inúteis matas nativas por belos campos agrotóxicos de soja e pimentões gigantes – alimentam os buchos vorazes dos abnegados representantes do povo, que sorriam, com bolsos felizes, pelo esperado anúncio! Oposição e situação unidos por Lisarb – que o povo comesse restos de repolho não obliteraria a grande maravilhosidade do pop que é agro que é pop que gera riqueza e quebra os ovos e não divide a omelete com a nação onde a lama engole as vidas e pavimenta o futuro nas estradas que cortam as florestas e encontram o mercúrio dos rios!
Eis que entra o grande Democrata: a orquestra toca o hino da Nação. Os presentes vão às lágrimas, mãos sobre o peito. Inicia-se o discurso.
- Grrande nação de Lisarrb, hoje é um grande dia para nossa pátria! – O dia em que finalmente cada cidadão poderá emprreenderr sobre si mesmo! Anuncio o Uber Lombo! Basta ter costas e vontade de trabalhar – e quem, afortunado por mérito meritocrático herdeiro, quiser as pernas poupar, terá um lombo compatriota a lhe carregar!
A plateia vai ao delírio! Palmas! Vivas! As bocas que falam pelo povo – engorduradas com o bacon dos porcos confinados em espaços minúsculos mortos com crueldade e doentes com vírus indizíveis – gritam palavras de apoio e comoção!
- E agorrra, pelo meu app irei chamar o primeiro Uber- Lombo! – Entra um senhor magro, bem-vestido e, com mesura, se abaixa frente ao Soberano Democrata. Silêncio.
O Presidente Meritocrático Popular Progressista sobe nas costas do Uber e sorri. Mas uma desgraça abala a alegria da Nação! O Uber pega um bastão, escondido na magreza da sua perna, e empala o pobre chefe da nação! Ali mesmo, ante os gritos com bafo de whisky legítimo single malte escocês! Uma buzina do apocalipse toca.
Acordo assustada. Comento irritada com o motorista: absurdo esse povo de moto! “Que sonho mais idiota”, penso, enquanto abro o app para pedir meu jantar.
ARIANE GUEBEL DE ALENCAR
RIO DE JANEIRO/RJ