Não havia muito a família se mudara para uma tranquila casa no Campo. Depois da última briga no trânsito, o motoqueiro hospitalizado, o incidente com o vaso quebrado na cabeça do vizinho do quarto andar e as crianças presas no armário, Sérgio resolveu que era hora de levar sua esposa Laurinha a um lugar mais calmo e relaxante.
O sítio em Secretário era mesmo uma beleza. Verde até onde a vista alcançava.
Laurinha finalmente se sentia tranquila e em paz. Aquela imensidão sem fim… os dias passavam sem nenhuma pressa, as horas da tarde eram as que mais se demoravam. Sem buzinas, sem motores roncando, sem festas na vizinhança, crianças correndo ao longe pelo sítio. Apenas o barulho dos pássaros, grilos, vento… e o cortador de grama do vizinho, ao longe.
Com o passar das semanas, o verde ficava cada vez mais verde e lânguido. As tardes escorriam como tartarugas, Laurinha sentia a pasmaceira do campo correr-lhe pelas veias como se estivesse num longo sonho. Atravessado pelo som do vento, o canto dos pássaros e grilos e o cortador de grama do vizinho, afinal que tanta grama era aquela?
Numa tarde quente de verão, Laurinha, sentada em suas ideias a contemplar o verde sem fim, levantou-se para ir à sala buscar um ventilador. Não aguentava mais de calor e quem sabe assim abafaria o som do cortador de grama no sítio ao lado, cuja grama parecia não ter fim.
Da janela aberta do escritório, parou e sentiu o vento fresco que vinha da longa planície que se estendia frente à casa. Que vento gostoso, pensou, mas o cortador de grama cada vez perto.
Distraiu-se por alguns instantes, como se levada ao outro lado da longa planície, nesse torpor de sonho, calor, verde, grilo, pássaro, cortador, tarde, tartaruga, atravessamentos.
Acordou com um estampido e um grito estridente. Subitamente o cortador de grama em silêncio.
Rodrigo, o caseiro do sítio, caído a poucos metros. Cabeça aberta, e sangue sobre a graminha verde, linda, simétrica, recém cortada. Quanto esmero, admirou Laurinha. A grama estava realmente um primor.
Pequenos pedaços de cérebro como minhoquinhas a atrair os pássaros – quem sabe assim parariam a cantoria com os grilos, o verde, o campo, a paz, a casa, o barulho, o silencio, tudo, o sangue, a grama, as minhocas, o cheiro! Pólvora – Preciso lavar as mãos, já é hora do lanche das crianças.
Com a arma ainda em sua mão, enquanto caminha de volta à casa, cuidando para não pisar em pedacinhos de ossos, ela consegue finalmente sentir a doce brisa do anoitecer iminente e apenas o vento. Pena que que as crianças chegarão gritando para o lanche…
Mas ela bem que gostou do vermelho dando uma vida, pensou com ironia, ao verde do campo…