*ESTAÇÃO CARIOCA
Luzia suspira aliviada ao entrar no vagão. Chegaria cedo em casa! Pensou nos filhos e no marido. Sentia genuína saudade deles. Mas logo se lembra do jantar. Silêncios, cansaços, vinho, solidão. A viscosidade da vida familiar. Um fim de semana imenso a preencher. Sente a mão impiedosa da rotina íntima apertar seu pescoço.
Alonga a respiração e busca no entorno uma fuga de si. Percebe à sua frente uma estudante. Não teria mais de 17 anos. Distraída, não percebe Luzia. Usa um short preto, camiseta de malha branca com emblema da escola. Pernas cruzadas, balança o tênis branco como se dançasse. Há vigor em suas pernas. O movimento do trem desmancha aos poucos o coque improvisado e seus cabelos caem desalinhados e perfeitos na altura dos seios. É linda. Luzia a admira. Até perceber em seu pescoço, muito branco, uma insidiosa cicatriz vermelha. Uma imperfeição, uma rachadura, uma falta.
Luzia sente o estômago revirar. Um mal-estar ancestral desperta em seu peito. Desvia o olhar, mas não pode fugir. Foi traída.
Sem pensar, aproveita que alguém se levanta e senta-se ao lado da garota. Sente seu cheiro. Laranja. Canela. Suor. Tem urgência em destruir aquela cicatriz.
O vagão começa a lotar. Faz calor. Janelas fechadas, movimento, barulho. Laranja.
Inebriada, percebe uma gota de suor descer pelo coque, já quase desfeito. Desce pelo pescoço até a cicatriz e some na gola da camisa de malha. Já não se controla. Fecha os olhos, sente o balanço do trem. Imagina a gota descer até o peito pequeno da garota. Imagina o bico dos seios. Claro, pequeno, duro. Luzia é toda febre.
*ESTAÇÃO CARDEAL ARCOVERDE
Sua parada. Em poucos minutos estaria em casa. Suspira cansada. Sem pensar, permanece no metrô. Com leveza, toca o braço da garota. Sente sua pele suave e pela primeira vez olha-a nos seus grandes olhos de amêndoa. Ela sorri. Sua ingenuidade corrói Luzia.
Alheia ao entorno, Luzia sobe o toque e acaricia seu pescoço. Beija-o. Surpresa, a garota se permite beijar. Primeiro o pescoço, depois os lábios. Pela abertura do short, Luzia toca suas coxas firmes, aveludadas. Sente o ventre molhado que se convida a penetrar. Um gemido denuncia o gozo. Enojada, Luzia morde a cicatriz até sentir o gosto do sangue.
Sente o cheiro de laranja. Desperta. Abre os olhos. Aperta suas coxas com fúria.
*ESTAÇÃO NOSSA SENHORA DA PAZ
A garota se levanta. Luzia a segue. De pé, vê seu reflexo na grande janela de vidro. Imperfeita. Rachada. Faltosa. Hoje, ela não chegará para o jantar.
ARIANE GUEBEL DE ALENCAR
RIO DE JANEIRO/RJ