Vale do Norte, segundo mês de 1850.
Cara Leitora, Caro Leitor:
Muitas linguistas afirmam que a língua reflete a realidade de seus falantes. E não só isso: ela age como um bumerangue, que joga de volta para o inconsciente aquilo que foi projetado nela, moldando os pensamentos e o imaginário. Neste vai e volta, a língua cria e reproduz a realidade.
Veja um exemplo simples.
Na escola, aprendemos a conjugar os verbos usando os pronomes nesta ordem: eu, tu, ele, nós, vós, eles.
Como dizem que ‘perguntar não ofende’, lá vai minha pergunta ‘inocente’: onde está o ela ou o elas?
Gramáticos se apressarão em responder que ele subentende a ideia de ela, pois o masculino assume também o papel de neutro no português.
Em outras palavras: o masculino se apropria do neutro se dizendo a melhor opção para representar todas as pessoas. Senão, o ela também poderia assumir esse papel, certo?
Veja outro exemplo: o uso da palavra homem substituindo a bem mais inclusiva humanidade. Muitos argumentarão que a palavra homem inclui mulheres e todos os gêneros que compõem a abreviatura LGBTQIAPN+.
Mais uma pergunta ‘inocente’: será que inclui mesmo?
Talvez seja mais esclarecedor pensar da seguinte forma: a língua que usamos hoje reflete valores das gerações passadas, a forma como essas pessoas organizavam o mundo, ou seja, de maneira totalmente patriarcal.
Mas, afinal, o que quer dizer patriarcal?
Este termo vem de patriarca, pai, no sentido de que os homens têm mais valor dentro da sociedade do que os demais gêneros. E que fique bem claro: estamos falando de homens-héteros-cis brancos.
Por isso, a história de que ele e homem são também neutros e representam o ela e a humanidade não faz sentido. Porque não são neutros. São masculinos e representam somente uma parte da humanidade.
Testemunhamos a supervalorização do masculino refletida na própria língua que usamos todos os dias.
Ela reflete e perpetua essa supervalorização pelas gerações seguintes, pondo sempre o ele como preferência para conjugar os verbos na escola; ou preferindo o plural no masculino, mesmo que haja dez mulheres na sala e somente um homem.
Tem outra coisa que as linguistas nos ensinam sobre um idioma: ele muda com o passar do tempo. Ele se adapta às novas realidades, aos novos valores.
Veja o exemplo da informática. Adotam-se facilmente os novos termos do inglês, porque o contato com esses termos é muito grande e, em diversos casos, ainda não existe uma expressão no português que os substitua a contento.
Não à toa usam-se muitas palavras daquele idioma no dia a dia: feedback, mouse, Facebook, para citar somente algumas.
E se eu lhe dissesse que, como a língua espelha e recria a realidade, e muda com o passar do tempo, é possível adaptá-la às necessidades atuais e assim evitar a desvalorização do não-masculino?
Talvez o caminho para uma mudança mais estrutural que se pode realizar contra a discriminação de gênero esteja… na própria língua!
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E é exatamente isso que acontece em Gaia. Um planeta onde vive uma sociedade utópica, mas muito verossímil. E que usa uma língua bastante feminina.
Veja como o português pode ficar mais inclusivo, lendo este novo romance, em pré-venda pela Editora Polifonia: o Filhas de Gaia.
E permita-se a experiência de um mundo mais justo, refletido na língua local e recriado por ela o tempo todo.
Um abraço e até breve!
Hélia Skipas
Conselho das Sábias
Vale do Norte, GAIA
Filhas de Gaia. À venda na Editora Polifonia: