Por Linei Matz
Segundo a obra “A cidade das mulheres”, de Christine de Pizan, escrita em 1404, houve no Oriente uma sociedade formada por mulheres que, por conta das guerras constantes na região, haviam perdido pais, maridos e filhos, restando somente anciãos e crianças. As mulheres, então, resolveram tomar para si os papéis tradicionalmente masculinos e fundaram um reino que durou cerca de oitocentos anos. Eram guerreiras que, sim, mutilavam um dos seios para poder empunhar melhor suas armas e defender suas terras e seu modo de vida contra invasores. Invadiam também reinos vizinhos, quando provocadas, e tiveram inúmeras rainhas excepcionais que contribuíram com o crescimento daquela sociedade. Os próprios gregos antigos as temiam. Tanto que o famoso Hércules e seu amigo Teseu decidiram atacá-las com seus exércitos antes que a própria Grécia fosse atacada por elas.
Essa é uma das inúmeras histórias de mulheres que contribuíram com a evolução das sociedades humanas por conta de sua inventividade (Ceres, rainha da Sicília, e Ísis, rainha do Egito, desenvolveram e disseminaram a agricultura, por exemplo), de sua coragem (as guerreiras Berenice da Capadócia, Clélia de Roma entre muitas outras), além de intelecto afiado (Safo, a grande poeta; Carmenta, uma das fundadoras de Roma, estudou a língua e inventou as letras latinas usadas em todo o ocidente nos dias de hoje; a própria Pizan), das quais pouco se ouve por conta da misoginia dos homens que detêm o poder econômico, religioso e da escrita.
A autora se inspira na obra “Cidade de Deus”, de Santo Agostinho, e conta a história de si mesma quando, angustiada por tentar encontrar em si os defeitos que tantos homens ilustres afirmavam que as mulheres possuíam, tem uma visão na qual é visitada por três senhoras celestes que a ajudarão a construir uma cidade somente para mulheres valorosas, cujos muros as protegerão dos ataques masculinos, tanto à sua capacidade intelectual quanto à sua honra e à sua integridade física. Uma cidade cujas bases estão na consciência de terem sido sempre elas que fizeram o mundo girar e que, se os homens são tão unânimes em criticar e maldizer o “sexo oposto”, o fazem por pura inveja e ingratidão. O conselho que as senhoras celestes dão a Pizan é que ela use os argumentos masculinos, entendendo-os ao contrário do que aparentemente querem dizer, e assim construía a defesa das mulheres do mundo todo, pois “[…] quanto mais se desprezam as mulheres, maiores se tornam o seu mérito e a glória” (p. 36).
PIZAN, Christine. A cidade das mulheres. São Paulo: Editora 34, 2024.

Disponível na Amazon: https://amzn.to/4aY39t9